segunda-feira, 29 de junho de 2015

CINE CLUBE DOMINGOS MARIA PEÇAS - FASE V

Após alguns meses de interregno retomamos hoje esta rubrica que de há doze anos para cá vimos mantendo no Al Tejo.
Por motivos de excesso de trabalho e alterações habitacionais com consequências na adaptação dos meios informáticos, o nosso Colaborador Rufino Casablanca, viu-se forçado a interromper a sua colaboração no nosso Cine Clube.

Diligenciámos junto do Professor Henrique José Lopes, Cronista da matéria cinematográfica do mensário “Folha de Montemor”, cujas crónicas desde há muito nos haviam cativado, e que por certo serão também do seu agrado.
Profundo conhecedor desta matéria com inúmeros textos publicados, conferências, comunicações e debates é um expert no que diz respeito à sétima arte.
Também no capítulo musical tem obra de vulto não só como compositor, mas  como intérprete EM vários agrupamentos sobejamente conhecidos.
Amavelmente o Prof. Henrique Lopes, acedeu ao nosso pedido. Assim e com título de « DO CINEMATÓGRAFO PARA A PÓLIS …» , vamos retomar a rubrica “Cine Clube Domingos Maria Peças”, valorizando com esta nova colaboração este espaço feito a pensar em si.
Obrigado Henrique
Chico Manuel

DO CINEMATÓGRAFO PARA A PÓLIS …
Por Henrique José Lopes

O mutismo e a máscara em Ingmar Bergman e a amnésia mascarada em que nos governa

A propósito de alguns acontecimentos recentes, lembrei-me do filme “A Máscara” (Persona), datado de 1966 e realizado pelo mestre Ingmar Bergman. É um daqueles filmes, que a quem o
consiga ver com olhos de ver, nos marca para
sempre (quem não conhece bem a obra de Bergman, não conhece bem o cinema). Ancorado em duas personagens femininas (sendo que uma delas praticamente não fala), em prodigiosos grandes planos (a câmara de Sven Nykvist) e nos diálogos, que no fundo são monólogos proferidos por uma enfermeira (uma notável Bibi Andersson) que é incumbida de tratar de uma atriz (uma Liv
Ullmann, que sem dizer uma palavra, oferece-nos uma igualmente portentosa interpretação) que entrou em estado de mutismo enquanto estava em palco a representar Electra. Há medida que vai falando com a paciente e sem receber respostas desta, vai ouvindo o eco das suas próprias palavras. O confronto consigo própria, com os seus próprios fantasmas torna-se inevitável. Uma busca do seu verdadeiro eu. A um dado momento, num dos mais memoráveis planos da história do cinema, os rostos das duas se fundem num só, já não se sabe quem é quem. Quem é a doente, quem é a paciente.
Parece não existir nada em comum entre o que se segue e aquele que o saudoso diretor da Cinemateca Portuguesa, Bénard da Costa, que o considerava o melhor filme de Bergman, mas existe. Num vídeo que circula no YouTube e que é muito partilhado (as razões são obvias), o primeiro-ministro deste desgoverno chegou a afirmar mesmo que e passo a citar: “Depois há muitos que deviam pagar os seus impostos e não pagam e porquê? Porque não declaram as suas atividades.” 
Agora que lhe bateu à porta e lhe descobriram a careca, veio afirmar que se atrasou por distração e por falta de dinheiro. Disse também que ninguém é perfeito. É verdade. Mas a imperfeição não é desculpa para se cometerem certo tipo de erros. Há já algum tempo que a frase de “desculpa de mau pagador”, não fazia tanto sentido. É igualmente verdade que muita gente se atrasa e tem falta de dinheiro.
O problema de Passos é outro, e é aqui que a compreensão se esgota, metido no seu absoluto autismo, auto desculpando-se, finge não perceber os outros e os seus problemas, muitos em consequência da sua governação. Passos Coelho exigiu e exige aos outros o que não conseguiu exigir para si próprio. Isto lembra-me um ditado popular que todos bem conhecemos: “ fazes o que eu digo, mas não faças o que eu faço”. Esta história de Passos Coelho não é a mesma coisa que a história do médico que apesar de fumar e de saber que tal é prejudicial à sua saúde, ele sabe que tem o dever de dizer ao seu paciente para não o fazer. Por mais que ele queira que nós acreditemos que assim seja.
Para Passos Coelho não lhe saiu um coelho da Cartola, entrou um coelho na sua Cartola. E isto não é propriamente a história de “era uma vez…um coelhinho…”. Com a vida das pessoas não se brinca. Como muito bem lembra um cartaz que circula no Facebook, a amnésia (não aquela que é o motor do genial filme de Bergman) parece ter tomado conta de personalidades como Passos Coelho, Cavaco Silva, Ricardo Salgado, Oliveira e Costa ou Zeinal Bava. Este por exemplo, muito premiado, mas muito amador, como muito bem afirmou a deputada Mariana Mortágua na Comissão de Inquérito, perante a ausência de respostas de Bava, que parecia assim, estar mais nas idades dos «porquês».
            O vírus do neoliberalismo, puro e duro, parece ter apagado os dados dos discos rígidos da memória destas personalidades, a quem o poder e o dinheiro parecem ter feito muito mal, não a eles, mas aos outros. É urgente encontrar um eficaz “antivírus” para a lhes devolver e, começarem a pagar o que devem às pessoas, ao país, não só dinheiro (com o dinheiro dos outros qualquer um faz figura…), mas também a saúde, a educação, assim como a humanização em vez da humilhação.
Querem-nos confinar à passividade, ao conformismo, à ausência de pensamento critico, ou melhor, querem que a amnésia, o mutismo, também se instalem em nós para melhor nos controlarem, e nos ordenar como rebanhos acríticos e bem comportados. A amnésia que atingiu a personagem de Liv Ullmann do filme de Bergman vem da sua profunda humanidade ou da busca dela, e de quem atualmente nos governa, da sua desumanidade. Com a “Máscara” que Bergman nos mostra, aprendemos um pouco mais sobre o ato de viver ou a pelo a conhecermo-nos melhor, com a amnésia destes senhores, apreendemos justamente o contrário. Como se fossemos meros números de uma qualquer folha de Excel…sem vida…
 Henrique Lopes
(In Folha de Montemor, março de 2015)









3 comentários:

artemiso peças disse...

É com bastante satisfação que Felicito o AL TEJO pela activação das cronicas dedicadas ao CINEMA integradas no CINE CLUB DOMINGOS MARIA PEÇAS na pessoa do Sr Fernando Tata e no Professor Henrique Jose Lopes.
Quanto á cronica sobre o filme A MASCARA está plenamente enquadrada na situação actual do nosso País.
PARABÉNS.

Cumprimentos
Artemiso Peças

Anónimo disse...

***** á cronica cinema
***** ás considerações politicas

António Mestre

Anónimo disse...

"do Cinematógrafo para a Pólis"
Que belo e sugestivo subtítulo para uma crónica sobre cinema!
Muito tempo depois das fitas do Sr. Domingos Maria Peças, muito tempo depois daqueles serões encantados, muito tempo depois de uma adolescência vivida com relativa descontração, não quero deixar marcas de Pólis neste comentário.
Falemos então de cinema apenas.
Tem o cronista a razão toda quando fala de Bergman e do filme "Persona".
É exactamente como diz. Eu só acrescento que esse filme continua a ser um enigma para todos nós. Bem... pelo menos para mim. Visto e revisto, já lhe encontrei alguns sentidos, mas desconfio que o realizador lhe quis dar outros que eu ainda não atingi.
Já agora, e já que estamos com a mão na massa, aproveito para fazer aqui uma publicidade encapotada: No Espaço Nimas, em Lisboa, decorre um ciclo dedicado a Ingmar Bergman, de 25 de Junho a 5 de Agosto, com exibição de filmes deste autor, em vários horários, a preços módicos, só possíveis nos tempos que correm porque são patrocinados pela embaixada da Suécia.
Com os meus cumprimentos ao autor do texto e ao blogue