Terça, 19 Maio 201
Se dúvidas houvesse de
que a agenda de opinião da esmagadora maioria de nós, no que respeita a
assuntos de interesse geral, público e colectivo, e portanto político, é feita
por certas notícias que se espalham de forma viral, mesmo tratando de gente
comum, os acontecimentos sobre o bullying – começando no
programa televisivo de talentos, passando pela cena de bofetão no feminino, até
ao assassinato violento de um jovem de 14 anos das últimas semanas –
dissipariam essas dúvidas.
São inúmeras as notícias, as opiniões e
os assuntos que todos os dias são lançados pela comunicação social – ou nas
redes sociais em que cada um de nós pode fazer a reportagem de algo a que se
assistiu e que dê lugar a notícia, ou emitir a sua própria opinião baseada nos
factos que escolheu ou de que lhe propuseram uma interpretação. Mas há umas que
chocam e, como tal, naturalmente, se tornam tema central de conversa, quase
como se nunca tivessem existido ou, na curta memória humana, tivéssemos
esquecido para continuarmos a viver as nossas vidas para lá do que nos
incomoda, como muitas vezes tem de ser, sobretudo quando não temos
responsabilidades oficiais sobre o assunto.
O bullying é
a prática de actos violentos, intencionais e repetidos, contra uma pessoa
indefesa, uma vítima que pode sofrer danos físicos e psicológicos irreparáveis.
A palavra surge do inglês bully, que significa brigão ou valentão,
e desconfio que o que chocará nesta prática é mais a incapacidade de defesa da
vítima do que a atitude do bully, uma vez que quando há dois bullies somos
quase tentados a comentar que “estão bem um para o outro”. E talvez seja esta
expectativa de andarmos todos a preparar-nos para responder à altura das
dificuldades que vamos encontrar ao longo da vida, condescendendo em descer por
vezes ao nível mais vil do ser humano enquanto membro do reino animal, que ao
longo dos séculos fez dos que têm reacções menos instintivas – ou de um outro
tipo de instinto – vítimas declaradas.
É que o bullying em
si, e quando não dá origem a crime público, acontece mais frequentemente do que
possamos pensar e, muitas vezes, é feito com um conjunto de pessoas a apoiar,
como claque, a prática do insulto, da extorsão, da atitude violenta – com
palavras ou actos – perante quem por princípio, opção ou dever não corresponda
à reacção que parece ser a exigida pelo bully ou pela sua
claque de apoio: responder à altura e partir para a guerra, em escaladas de
violência que podem ir até à agressão física e ao insulto desbragado, assim
mesmo na cara das pessoas.
O bullying,
mais do que com o exercício de um poder, que muitas vezes até se conquista com
o sucesso após a sua prática e o aplauso dos pares que parecem transformar-se
em seguidores ou súbditos, tem a ver, na minha opinião, com o respeito ou a
infracção de limites do que se pode e deve, ou não, fazer e dizer. Se esse
conhecimento é adquirido pelo exemplo, pelo discurso positivo, enfim pela
educação que recebemos da comunidade que nos rodeia; e se o desrespeito desse
limites é punível e punido efectivamente, através de sanções de vários tipos –
e onde a liberdade não deve ser confundida com anarquia (mesmo quando esta é
defensora de um pacifismo e uma autodefesa que deixa perigosamente à solta uma
justiça sem regras) – então, teremos de encarar vários comportamentos que vamos
achando normais – como os insultos proferidos pública e sistematicamente
àqueles de que discordamos, às vezes a descer a avenida com as câmaras da TV
atrás - como exemplo de muitos que fazem dessa prática uma atitude corrente e,
contra o que lhes é adverso, do que lhes é incompreensível, do que muitas vezes
apenas sai fora do comum, uma forma de reagir legitimada pelo cidadão comum e
apenas suspensa quando outros limites se ultrapassam. É que também aqui, e não
só nas coisas boas, o caminho se faz caminhando.
Cláudia Sousa Pereira
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