sexta-feira, 24 de abril de 2015

VASCULHAR O PASSADO - Rubrica mensal de Augusto Mesquita

                                  Há 15 anos, João Machado foi medalhado


 Por deliberação de 28 de Fevereiro de 1997, a Assembleia Municipal aprovou por unanimidade, sob proposta da Câmara, o Regulamento sobre as Insígnias Municipais. Em 2000 o processo foi retomado e terminou com a apresentação das propostas das insígnias, pelos escultores Professores Hélder Batista e João Duarte, dois dos maiores medalhistas portugueses, ambos com currículos impares, quer no plano nacional quer no plano internacional, e ainda, pelo facto de o primeiro ter sido o responsável pela cadeira de medalhística na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, e de o segundo, o ter substituído no cargo.

Por decisão de 15 de Março de 2000 a Câmara deliberou por unanimidade manifestar o seu aval ao avanço da concepção das propostas de Insígnias Municipais, traduzidas na “Chave da Cidade” e “Medalha de Mérito”, de acordo com as maquetas apresentadas, da autoria dos referidos escultores.
 A primeira Medalha de Honra “Liberdade, Progresso e Justiça Social” foi atribuída a João Joaquim Machado no dia 25 de Abril de 2000.
Quem foi João Joaquim Machado? O “Machadinho”, como também era conhecido, nasceu a 14 de Setembro de 1921, na antiga freguesia de São Mateus do concelho de Montemor-o-Novo. Aos 14 anos já se manifestava contra a guerra civil de Espanha e contra o regime fascista de Portugal.
Filia-se no Partido Comunista Português em 1943, iniciando desta forma a sua actividade política. Foi preso pela primeira vez em 1945, depois de ter participado activamente nas jornadas por melhores salários para os trabalhadores agrícolas, tendo sido levado para a prisão de Caxias.
Em 1947, fruto das lutas por trabalho e contra a fome e miséria que se vivia nas famílias dos trabalhadores rurais, foi preso pela segunda vez, e levado para o Aljube. Em 1949, na sequência da Campanha Eleitoral em que a Oposição Democrática apresentou o General Norton de Matos, voltou a ser preso enquanto activista nesta campanha, passando pelas prisões do Aljube, Caxias, Peniche e Setúbal.
Foi preso uma quarta vez, em 1958, quando participava numa manifestação de protesto pela burla eleitoral, que fez com que o General Humberto Delgado não fosse eleito, e a ditadura fascista continuasse.
Em 1961, quando participava activamente nas jornadas pelas 8 horas de trabalho nos campos, e quando a GNR acompanhada pela PIDE, o tentava prender, assaltando a sua casa, e de seu irmão Manuel, na madrugada de 5 de Maio, conseguiu fugir, passando um ano na clandestinidade. Voltou a ser preso em 1962, em Vila Viçosa, tendo sido levado para o Aljube, Caxias e Peniche, onde permaneceu 6 anos.
Ao longo da sua luta de resistência antifascista esteve preso cerca de 10 anos tendo sido barbaramente torturado, e passado 10 meses incomunicável. Em suma, fez parte activa de todos os Movimentos de Oposição Democrática ao fascismo, e até à Revolução de Abril manteve uma intensa resistência antifascista, luta pela liberdade e melhores condições de vida para o povo. A partir de 1974 participou activamente nas lutas pela democratização do país, pelo desenvolvimento do Alentejo e pela Reforma Agrária.
Em 1974 tornou-se funcionário do Partido Comunista Português. Em 1976 foi Candidato à Assembleia Constituinte. Fez parte desde o início da União dos Resistentes Antifascistas Portugueses, das Comissões de Base de Saúde e das Comissões de Moradores. Como membro da URAP, fez parte da comissão que construiu o Monumento de Homenagem a José Adelino dos Santos, erigido no local onde tombou, assassinado pela GNR, e mais tarde, participou na Comissão Pró-Monumento aos Resistentes Antifascistas do Alentejo.
Reformou-se em 1986 mas continuou sempre com a sua actividade política. Guardo na memória, a imagem do Senhor João Machado distribuindo o “Avante”, transportado na sua bicicleta a pedais…
Como foi referido, a 25 de Abril de 2000, o Município de Montemor-o-Novo atribuiu a João Joaquim Machado a Medalha de Honra “Liberdade, Progresso e Justiça Social”.
Esta concessão, determinada por unanimidade, e em cuja votação, participaram eleitos da CDU, do PS e do PSD, teve como base a sua vida, que constituiu uma referência de cidadania, e confirma, a admiração e o respeito, que os políticos montemorenses de todas as áreas, tinham pelo antifascista.
No Editorial do Boletim Municipal n.º 163, de Junho de 2000, o Presidente da Câmara Municipal, Dr. Carlos Pinto de Sá, escreveu:
            “João Machado recebeu, na passagem do 26.º aniversário da Revolução de Abril e na presença de uma multidão que sobrelotava o Cine Teatro Curvo Semedo, a primeira insígnia municipal da “Liberdade, Progresso e Justiça Social”. A sua vida é um exemplo de busca e luta permanente, corajosa e coerente pela liberdade, por uma sociedade mais justa, livre e fraterna. É certo que o aparelho ideológico dominante nos vende diária e subtilmente o individualismo egoísta, a (in)felicidade do consumismo, o endeusamento do mercado e do dinheiro. Mas é igualmente certo que a luta por ideais e valores de justiça social e de humanismo não só mantém actualidade como se sente a sua urgência. Ao longo da sua História, o Povo do Concelho de Montemor-o-Novo tem dado provas provadas do seu inconformismo, da sua disposição de desbravar novos caminhos de progresso. O João Machado simboliza, como felizmente muitos outros, a rebeldia, o sentir colectivo, a iniciativa, a dignidade profunda do que de melhor tem a alma montemorense.
            Uma sociedade mais justa e democrática passa, também, pela capacidade de fazer participar, aos mais diversos níveis, os cidadãos nos processos de tomada de decisão. O sistema político do Poder Local Democrático tem funcionado bem e permitiu, desde o 25 de Abril, vencer atrasos de décadas. Invocando “a necessidade de aproximidade aos cidadãos” alguns querem alterar este sistema. Querem por exemplo, que a Câmara não seja eleita directamente pelos cidadãos ou que seja o Presidente, e não o voto popular, a escolher os Vereadores. Percebem?!
            O caminho não é restringir a democracia ainda com a dose “quanto baste” de midiáticas lágrimas de crocodilo. Precisamos, isso sim, de aprofundar a democracia. Há, pois, que continuar a lutar e a construir. A lutar contra a discriminação de que o Alentejo e Montemor continuam a ser alvo por parte do Poder Central (por exemplo, na distribuição de verbas do III QCA da União Europeia), a lutar pela defesa do mundo rural, pela criação de emprego, pelo desenvolvimento. A construir, em colaboração com instituições e cidadãos montemorense, um concelho onde se viva, no que ao Poder Local depende, cada vez melhor”.
            João Machado faleceu no dia 22 de Março de 2012. Na “Folha” de Abril desse ano, escrevi um texto dedicado à “toponímia montemorense”, e no qual propôs a atribuição do nome do nosso concidadão João Joaquim Machado, resistente antifascista, a uma artéria da cidade. Propus para o efeito, a rua de acesso ao novo Centro Escolar e às Piscinas Cobertas. Lamento que o nosso município, tenha homenageado, atribuindo os seus nomes, individualidades que nada fizeram em prol do País e da Vila Notável, e se esqueça dos seus filhos. Encaixa que nem uma luva, o velho provérbio: “Montemor sempre foi melhor madrasta que mãe”.

Augusto Mesquita – Abril 2015
Publicado in : “Folha de Montemor” mês Abril 2015, transcrição autorizada pelo Autor


1 comentário:

Anónimo disse...

Foi graças a homens como este que a liberdade foi conseguida. Não a deixemos perder.

25 de Abril sempre