quinta-feira, 24 de abril de 2014

ARTIGO DO DR. LABOREIRO

                                 O fascismo infelizmente existiu


«A violência preventiva era um esteio essencial da segurança  e da durabilidade do regime. Na desmobilização, no medo, na interiorização da obediência, numa sociedade onde o peso social e cultural da ruralidade se prolongou bem para além do seu peso económico, ou seja, na eficácia real dessa violência preventiva assentou em larga medida o “saber durar” salazarista.»

Fernando Rosas (Historiador)
(in “Salazar e o Poder”)

Recentemente, têm sido múltiplas as edições, embora bastantes delas convidando a um “voyeurismo”, que revisitam o tempo histórico português pautado pelo fascismo: publicações onde, salvo honrosas excepções, há uma tendência muito forte no sentido de um branqueamento desse passado de opressão, violência e submissão que o fascismo revestiu.
Efectivamente, há biografias de Salazar e Marcelo Caetano, relatos e cronologias desse período histórico  -  que primam por historiar a polícia política e os torcionários, no “interland” temporal de um quotidiano amável e simpático (pretendendo suavizar as brutalidades, humanizar os responsáveis, escondendo as causas, omitindo a carga ideológica do percurso histórico, arvorando o bem do passado por oposição ao mal do presente).
Uma das preocupações destes autores, num intuito de desideoligização, é de tentar fazer passar que a ditadura de Salazar não era fascista (sendo antes um regime autoritário, musculado, muito longe de fascismo italiano ou alemão).
Porém, na verdade o “Estatuto do Trabalho Nacional” (como os documentos congéneres de Franco, Petain, entre outros) inspira-se na lei idêntica de Mussolini (a “Carta del Lavoro”)  -  na pretensão de decretar uma “paz social”, de reduzir os sindicatos à obediência (a par da corporativização da actividade económica).
À semelhança das congéneres alemã e italiana, foi criada  -  para enfrentar a “ameaça” comunista  -  a Legião Portuguesa (corpo armado e uniformizado, que, depois dos ímpetos iniciais, veria truncada a sua autonomia e seria subordinada à cadeia do comando militar).
Por outro lado, assistir-se-ia à extinção dos partidos políticos, por imposição oficial: com a pressão ditatorial sobre Ramada Curto para assinar a auto-dissolução do PS (1933) e a fuga para a luta clandestina por parte do PCP. Por sua vez, a ditadura criava a União Nacional (a grande ganhadora das eleições encenadas, e a única concorrente às eleições na maior parte das vezes: realidades que encontramos, para além das ditaduras alemã e italiana, também nas ditaduras coevas da Áustria, da Polónia, da Grécia, da Hungria, de Espanha (tendo como Presidentes, todas, oficiais generais): ditaduras que encontraríamos igualmente, na França (de Petain), na Roménia, na Croácia e na Eslováquia.
Seguindo o modelo fascizante, Salazar criaria a censura permanente a todas as publicações (em regra exercida por militares, como nas outras ditaduras) -  e que Salazar justificava com a necessidade de «antes de tudo evitar preventivamente que os meios de publicidade causem dano social».
Embora uma recente biografia de Salazar procure fazer depreender  uma adesão entusiástica do povo, a natureza moderada do nacionalismo português e a selecção criteriosa das elites governantes, a verdade é que assistíramos às aparatosas manifestações organizadas e mobilizadas por legionários e caciques (mercê de uma intensa propaganda oficial), a uma legislação colonial que oprimia os “indígenas” africanos, a uma selecção ideológica dos governantes (todos fiéis ao regime), à onda de perseguição (com demissão compulsiva) aos Professores Universitários democratas, à vaga de repressão dos movimentos de trabalhadores do campo e das fábricas, bem como à prisão de milhares de pessoas, sujeitas à tortura e até à morte: tornando-se elucidativo que o regime político se inscrevia numa ditadura fascista (embora certos autores tentem fazer acreditar de que a violência política era moderada  -  sendo o regime autoritário e não totalitário).
Porém, é que a realidade era outra: o medo generalizado da população, a intimidatória rede de agentes da Polícia Política (6 milhões de portugueses com ficha na PIDE), dezenas de milhar de presos políticos (em Caxias, Aljube, Angra de Heroísmo, Peniche, na Sede da PIDE, em Machawa (Moçambique), S. Nicolau (Angola), Tarrafal (Cabo Verde); como poderão omitir a memória ?)
Afinal, como podem os Homens conscientes, que reflectem, agem, criam, investigam, educam, formam, ser indiferentes à opressão, às tensões, às injustiças, às banalidades, ao mundo que as envolve, como se vivessem numa “torre de marfim”?
E seria precisamente o homem não resignado, quem  -  numa batalha da memória  -  haveria de pôr termo ao fascismo do Portugal do Estado Novo  -  em Abril de 1974.

José Alexandre Laboreiro
Publicado no Jornal "Folha de Montemor" e transcrito com a devida autorização do Autor - Abril 2014


2 comentários:

Anónimo disse...

Sou um leitor atento do Dr. Laboreiro. Sempre os seus artigos me levam a procurar curiosidades com eles relacionadas. Alguns desses artigos confirmam coisas que eu já sabia, e outros dizem-me coisas novas. Quero agradecer-lhe as interessantes interpretações que sempre me faz chegar.
Aqui seguem os meus agradecimentos.

Anónimo disse...

TAMBÉM A DEMOCRACIA EXISTE E É O QUE SE VÊ, VIVEMOS NA EUROPA MAS COM NÍVEL DE VIDA DE TERCEIRO MUNDO E COM VARIAS DITADURAS AO MESMO TEMPO, TROICAS E OUTRAS, MAS VIVEMOS EM "LIBERDADE" E TUDO ESTÁ CERTO.
O PROBLEMA DAS DEMOCRACIAS É QUE VALE MAIS A OPINIÃO DE MEIA DÚZIA DE IDIOTAS QUE A DE UM GÉNIO, E ESTÁ À VISTA O RESULTADO.